Rombo na balança com México ameaça acordo automotivo
Entenda o conteúdo regional e como ele afeta o comércio
Automotive – As marolas que agitam o acordo automotivo entre Brasil e México podem não virar tsunami, mas há boas razões para a presidente Dilma Roussef ficar aborrecida: as trocas de veículos entre os dois países provocaram rombo de R$ 1,55 bilhão na balança comercial brasileira. Informações colhidas pela Agência Brasil junto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) revelam que em 2011 vendemos carros no valor de US$ 512 milhões, mas gastamos US$ 2,07 bilhões na compra de automóveis como VW Jetta, Bora, Variant e New Beetle, Ford Fusion e New Fiesta, Nissan Sentra e Tiida e Honda CR-V.
Dados do ministério indicam, ainda que no ano passado, sob o regime de livre comércio, o Brasil exportou para o México US$ 1,81 bilhão em veículos e autopeças e importou US$ 2,51 bilhões, com saldo negativo de US$ 696 milhões.
Estabelecido em 2002, o acordo bilateral com o México permite importações de automóveis e partes de veículos sem a cobrança de imposto de importação, benefício que pode ser decisivo em segmentos de mercado bastante disputados. Os veículos que chegam de lá ganham atrativo extra com a isenção dos 30 pontos extras no IPI que incidem sobre automóveis, comerciais leves e pesados oriundos de outros países (os argentinos também não são afetados).
Um recuo brasileiro no acordo de livre comércio elevaria o preço dos veículos mexicanos no mercado local, com a incidência de imposto de importação de 35% e de 30 pontos no IPI.
Em período de resultados pífios no comércio com outros países, o prejuízo nas trocas com o México tornou-se alvo de polêmicas dentro do governo e de preocupações das montadoras brasileiras, que trouxeram de operações congêneres naquele país cerca de cem mil veículos em 2011. O presidente do Sindipeças, Paulo Butori, já vinha alertando para a nova realidade, lembrando que em passado recente, com câmbio favorável, tínhamos saldo amplamente favorável nos negócios internacionais com autopeças. Hoje o fluxo se inverteu e passamos a ser alvo de nossos concorrentes no plano global, inclusive o México.
Não se deve esperar rompimento definitivo nem solução satisfatória a curto prazo para trazer razoável equilíbrio às transações com o México no âmbito automotivo. Basta observar o que ocorre em relação à Argentina para compreender o emaranhado de interesses em jogo, envolvendo diferentes segmentos da economia e empresas que atuam nos dois países, incluindo montadoras e fabricantes de autopeças, com enorme força de pressão.
BATALHA GLOBAL
A disputa do Brasil com México e Argentina por saldos comerciais representa uma face da agressiva disputa pelos principais mercados automotivos, alimentada pela ociosidade nas linhas de montagem de muitos países e economias em crises frequentes. Os asiáticos, reunindo raras chances de invadir a Europa e os Estados Unidos com veículos ainda capengas, definiram o Brasil como um dos alvos prioritários e estabeleceram bases que devem progredir. A Argentina, nosso principal parceiro comercial no setor automotivo, faz guerrilha para conquistar vantagens e torna incertas as regras de livre comércio, dificultando o controle do conteúdo regional de peças em sistemas utilizados na montagem dos veículos.
O Sindipeças demonstrou a Automotive Business , no início de 2011, a dificuldade em controlar o fluxo de autopeças pelas fronteiras com Argentina e Uruguai. Sem regras e fiscalização adequadas, componentes asiáticos acabam integrados a sistemas que ganham o status de nacionais para efeito de cômputo de tributos. “Muitas peças importadas não têm DNA conhecido e a certificação de origem e qualidade ainda é incipiente”, disse o presidente do Sindipeças durante entrevista à revista Automotive Business em 2011.
CONTEÚDO REGIONAL
Assegurando com documentos a utilização de 65% de componentes locais na montagem dos veículos, os fabricantes brasileiros obtiveram do governo em 31 de janeiro, por meio de portaria do MDIC, a garantia de não pagar os 30 pontos extras no IPI, que é exigido para carros não oriundos do México ou Argentina. Atendendo as regras do Decreto 7567, os filiados à Anfavea entregaram declaração de conformidade, atestando o patamar de 65% exigido. A cada três meses será necessário revalidar a certificação junto ao MDIC, juntando documentos legais que atestem:
– valor das peças importadas por modelo (documentos de importação)
– valor de venda aos concessionários (notas fiscais)
– dados de vendas por modelo (Renavam)
Os documentos alimentarão o cálculo do conteúdo de autopeças e são de fácil verificação, fechando brechas para que os fabricantes escapem da fiscalização que o governo poderá promover. As montadoras vão monitorar os índices de conteúdo regional e ficar atentas ao câmbio para decidir o melhor momento de nacionalizar. O real desvalorizado elevará o conteúdo importado, mesmo que o preço CIF em dólares seja fixo.
Caberá ao governo criar mecanismos para evitar fraudes no cômputo do grau de nacionalização de partes e impedir que componentes estrangeiros sejam agregados aos veículos passando por produto local.
Para os fabricantes brasileiros, o conteúdo local é aplicado como a média ponderada dos veículos produzidos e vendidos localmente e vale por empresa e não por modelo.
No comércio bilateral entre Brasil e Argentina o conteúdo regional de 60% deve ser comprovado para cada modelo exportado. O processo, no Brasil, começa com o registro das autopeças junto à Fiesp, que emite declaração comprovando a produção local. Os fabricantes dos veículos também solicitam, na federação, o mesmo certificado, exigido pela alfândega argentina. Nas trocas com o México, 35% de conteúdo regional devem ser comprovados para cada modelo exportado.
As fórmulas para cálculo do conteúdo regional são diferentes. Para fabricantes brasileiros, é levado em conta o valor de venda do veículo aos concessionários, deduzidos impostos e taxas.
No comércio com o Mercosul, o valor de venda utilizado na fórmula deve estar deduzido dos impostos, mas não de taxas (como PIS/Cofins), o que faz diferença e facilita o atendimento do índice.
No caso do México, o grau de nacionalização para livre comércio é de 35%, mas é computado apenas o custo das matéria primas (material importado sobre o custo total), não sendo levado em conta o preço de venda.
Simulações realizadas por um fabricante indicam que chegar aos 60% em veículos fabricados na Argentina ou aos 35% no caso do México representa quase a mesma coisa, pela diferença nas fórmulas de cálculo.
ESTRATÉGIAS COMPLEMENTARES
As montadoras presentes no Brasil, Argentina e México têm estratégias de produção complementares nos três países para tirar proveito dos acordos de livre comércio que permitem troca de autopeças e veículos sem pagamento do tributo de importação. A PSA Peugeot Citroën definiu que as suas plataformas maiores ficam na Argentina e as menores no Brasil. A Ford traz do México o New Fiesta e da Argentina o Focus, mas produz apenas no Brasil, no momento, o EcoSport.
Os três países têm recebido investimentos expressivos de fabricantes internacionais na indústria automobilística. Entre 2010 e 2015 o Brasil pode contabilizar aportes superiores a R$ 64 bilhões por parte de empresas de autopeças e montadoras, segundo apurou Automotive Business.
O México mostra-se uma alternativa vantajosa pela vizinhança com os Estados Unidos, possibilidade de exportar para o Brasil sem imposto de importação e dispensa dos 30 pontos extras do IPI. O estudo apresentado pela PwC à Anfavea em 2011 demonstrou que o aço brasileiro era mais caro que o mexicano (até 40%), o mesmo acontecendo com insumos como energia elétrica, água e gás. O custo do capital em empréstimos bancários chegava a 45% ao ano, contra 7% no México. A burocracia tributária no Brasil consumia cinco vezes mais tempo das empresas.
O levantamento da PwC constituiu a base do relatório apresentado pela Anfavea ao MDIC quando o governo preparava decreto para disciplinar o novo regime automotivo. Cledorvino Belini, presidente da entidade, não se cansou de repetir que o País dependia de um choque de competitividade para preservar o parque industrial e empregos, criar inteligência automotiva e enfrentar de igual para igual seus concorrentes internacionais.
O governo reagiu com o Plano Brasil Maior, que deu origem ao Decreto 7567, instrumento utilizado para proteger a indústria nacional com a elevação do IPI para carros importados (à exceção de argentinos e mexicanos) e atrair investimentos. Muitos analistas criticaram a abordagem, justificando que nenhum dos mecanismos atacou os problemas estruturais que inibem a competitividade da indústria. O governo retrucou, alegando que a segunda fase do novo regime automotivo, em planejamento, estimulará o desenvolvimento local de pesquisa e desenvolvimento, tecnologias modernas e inovação. Faltariam, ainda, os investimentos em infraestrutura e combater os demais componentes do custo Brasil.
Surpreendida pela elevação do IPI, a maioria dos newcomers que havia anunciado fábrica no País acabou confirmando os programas e tratou de negociar com o governo alguma flexibilidade na exigência de 65% de conteúdo local para escapar do IPI extra. O governo quer assegurar a atração dos aportes, mas pretende consolidar ao mesmo tempo a proposta de Belini, de se produzir carros com peças brasileiras.
Dados do ministério indicam, ainda que no ano passado, sob o regime de livre comércio, o Brasil exportou para o México US$ 1,81 bilhão em veículos e autopeças e importou US$ 2,51 bilhões, com saldo negativo de US$ 696 milhões.
Estabelecido em 2002, o acordo bilateral com o México permite importações de automóveis e partes de veículos sem a cobrança de imposto de importação, benefício que pode ser decisivo em segmentos de mercado bastante disputados. Os veículos que chegam de lá ganham atrativo extra com a isenção dos 30 pontos extras no IPI que incidem sobre automóveis, comerciais leves e pesados oriundos de outros países (os argentinos também não são afetados).
Um recuo brasileiro no acordo de livre comércio elevaria o preço dos veículos mexicanos no mercado local, com a incidência de imposto de importação de 35% e de 30 pontos no IPI.
Em período de resultados pífios no comércio com outros países, o prejuízo nas trocas com o México tornou-se alvo de polêmicas dentro do governo e de preocupações das montadoras brasileiras, que trouxeram de operações congêneres naquele país cerca de cem mil veículos em 2011. O presidente do Sindipeças, Paulo Butori, já vinha alertando para a nova realidade, lembrando que em passado recente, com câmbio favorável, tínhamos saldo amplamente favorável nos negócios internacionais com autopeças. Hoje o fluxo se inverteu e passamos a ser alvo de nossos concorrentes no plano global, inclusive o México.
Não se deve esperar rompimento definitivo nem solução satisfatória a curto prazo para trazer razoável equilíbrio às transações com o México no âmbito automotivo. Basta observar o que ocorre em relação à Argentina para compreender o emaranhado de interesses em jogo, envolvendo diferentes segmentos da economia e empresas que atuam nos dois países, incluindo montadoras e fabricantes de autopeças, com enorme força de pressão.
BATALHA GLOBAL
A disputa do Brasil com México e Argentina por saldos comerciais representa uma face da agressiva disputa pelos principais mercados automotivos, alimentada pela ociosidade nas linhas de montagem de muitos países e economias em crises frequentes. Os asiáticos, reunindo raras chances de invadir a Europa e os Estados Unidos com veículos ainda capengas, definiram o Brasil como um dos alvos prioritários e estabeleceram bases que devem progredir. A Argentina, nosso principal parceiro comercial no setor automotivo, faz guerrilha para conquistar vantagens e torna incertas as regras de livre comércio, dificultando o controle do conteúdo regional de peças em sistemas utilizados na montagem dos veículos.
O Sindipeças demonstrou a Automotive Business , no início de 2011, a dificuldade em controlar o fluxo de autopeças pelas fronteiras com Argentina e Uruguai. Sem regras e fiscalização adequadas, componentes asiáticos acabam integrados a sistemas que ganham o status de nacionais para efeito de cômputo de tributos. “Muitas peças importadas não têm DNA conhecido e a certificação de origem e qualidade ainda é incipiente”, disse o presidente do Sindipeças durante entrevista à revista Automotive Business em 2011.
CONTEÚDO REGIONAL
Assegurando com documentos a utilização de 65% de componentes locais na montagem dos veículos, os fabricantes brasileiros obtiveram do governo em 31 de janeiro, por meio de portaria do MDIC, a garantia de não pagar os 30 pontos extras no IPI, que é exigido para carros não oriundos do México ou Argentina. Atendendo as regras do Decreto 7567, os filiados à Anfavea entregaram declaração de conformidade, atestando o patamar de 65% exigido. A cada três meses será necessário revalidar a certificação junto ao MDIC, juntando documentos legais que atestem:
– valor das peças importadas por modelo (documentos de importação)
– valor de venda aos concessionários (notas fiscais)
– dados de vendas por modelo (Renavam)
Os documentos alimentarão o cálculo do conteúdo de autopeças e são de fácil verificação, fechando brechas para que os fabricantes escapem da fiscalização que o governo poderá promover. As montadoras vão monitorar os índices de conteúdo regional e ficar atentas ao câmbio para decidir o melhor momento de nacionalizar. O real desvalorizado elevará o conteúdo importado, mesmo que o preço CIF em dólares seja fixo.
Caberá ao governo criar mecanismos para evitar fraudes no cômputo do grau de nacionalização de partes e impedir que componentes estrangeiros sejam agregados aos veículos passando por produto local.
Para os fabricantes brasileiros, o conteúdo local é aplicado como a média ponderada dos veículos produzidos e vendidos localmente e vale por empresa e não por modelo.
No comércio bilateral entre Brasil e Argentina o conteúdo regional de 60% deve ser comprovado para cada modelo exportado. O processo, no Brasil, começa com o registro das autopeças junto à Fiesp, que emite declaração comprovando a produção local. Os fabricantes dos veículos também solicitam, na federação, o mesmo certificado, exigido pela alfândega argentina. Nas trocas com o México, 35% de conteúdo regional devem ser comprovados para cada modelo exportado.
As fórmulas para cálculo do conteúdo regional são diferentes. Para fabricantes brasileiros, é levado em conta o valor de venda do veículo aos concessionários, deduzidos impostos e taxas.
No comércio com o Mercosul, o valor de venda utilizado na fórmula deve estar deduzido dos impostos, mas não de taxas (como PIS/Cofins), o que faz diferença e facilita o atendimento do índice.
No caso do México, o grau de nacionalização para livre comércio é de 35%, mas é computado apenas o custo das matéria primas (material importado sobre o custo total), não sendo levado em conta o preço de venda.
Simulações realizadas por um fabricante indicam que chegar aos 60% em veículos fabricados na Argentina ou aos 35% no caso do México representa quase a mesma coisa, pela diferença nas fórmulas de cálculo.
ESTRATÉGIAS COMPLEMENTARES
As montadoras presentes no Brasil, Argentina e México têm estratégias de produção complementares nos três países para tirar proveito dos acordos de livre comércio que permitem troca de autopeças e veículos sem pagamento do tributo de importação. A PSA Peugeot Citroën definiu que as suas plataformas maiores ficam na Argentina e as menores no Brasil. A Ford traz do México o New Fiesta e da Argentina o Focus, mas produz apenas no Brasil, no momento, o EcoSport.
Os três países têm recebido investimentos expressivos de fabricantes internacionais na indústria automobilística. Entre 2010 e 2015 o Brasil pode contabilizar aportes superiores a R$ 64 bilhões por parte de empresas de autopeças e montadoras, segundo apurou Automotive Business.
O México mostra-se uma alternativa vantajosa pela vizinhança com os Estados Unidos, possibilidade de exportar para o Brasil sem imposto de importação e dispensa dos 30 pontos extras do IPI. O estudo apresentado pela PwC à Anfavea em 2011 demonstrou que o aço brasileiro era mais caro que o mexicano (até 40%), o mesmo acontecendo com insumos como energia elétrica, água e gás. O custo do capital em empréstimos bancários chegava a 45% ao ano, contra 7% no México. A burocracia tributária no Brasil consumia cinco vezes mais tempo das empresas.
O levantamento da PwC constituiu a base do relatório apresentado pela Anfavea ao MDIC quando o governo preparava decreto para disciplinar o novo regime automotivo. Cledorvino Belini, presidente da entidade, não se cansou de repetir que o País dependia de um choque de competitividade para preservar o parque industrial e empregos, criar inteligência automotiva e enfrentar de igual para igual seus concorrentes internacionais.
O governo reagiu com o Plano Brasil Maior, que deu origem ao Decreto 7567, instrumento utilizado para proteger a indústria nacional com a elevação do IPI para carros importados (à exceção de argentinos e mexicanos) e atrair investimentos. Muitos analistas criticaram a abordagem, justificando que nenhum dos mecanismos atacou os problemas estruturais que inibem a competitividade da indústria. O governo retrucou, alegando que a segunda fase do novo regime automotivo, em planejamento, estimulará o desenvolvimento local de pesquisa e desenvolvimento, tecnologias modernas e inovação. Faltariam, ainda, os investimentos em infraestrutura e combater os demais componentes do custo Brasil.
Surpreendida pela elevação do IPI, a maioria dos newcomers que havia anunciado fábrica no País acabou confirmando os programas e tratou de negociar com o governo alguma flexibilidade na exigência de 65% de conteúdo local para escapar do IPI extra. O governo quer assegurar a atração dos aportes, mas pretende consolidar ao mesmo tempo a proposta de Belini, de se produzir carros com peças brasileiras.
Fonte: automotivebusiness / Foto divulgação
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